Custo da menstruação: Desmistificando o acesso à higiene básica
- portalentrefocos
- 14 de jan.
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Custo de absorventes pesa na renda da Grande São Paulo
Por Manu Bertoloni e Monise Souza*

“Ela tirou o miolo do pão, guardou a casca. Aí eu perguntei para ela se ela não gostava de pão com recheio. Ela falou assim: Não, eu gosto muito, mas eu estou menstruada e eu não tenho absorvente”. A fala da Coordenadora do Instituto Grupo de Atitude Social (GAS) e de uma das frentes, “Elas Também Sangram (ETS), Leila Ferraz, define a realidade das pessoas que menstruam e vivem em situação de rua.
O nome disso é pobreza menstrual. Ela é definida como a falta de acesso a produtos de higiene como absorventes íntimos e coletores. “O absorvente é um item muito simples. A gente não deveria ter tanta mulher sofrendo num período menstrual porque não tem acesso ao absorvente”, afirma Leila. Segundo ela, para uma Organização Não Governamental existir é preciso que o Estado não faça seu trabalho e a sociedade precise se movimentar, e foi assim que a frente do ETS surgiu.
A desigualdade social traduzida na pobreza econômica é uma das principais causas da dificuldade de acesso aos produtos de higiene menstrual. De acordo com o levantamento do Instituto Locomotiva, o custo de produtos de higiene pesa na renda de cerca de 35% das brasileiras. O problema é ainda mais evidente na parte mais vulnerável da população, uma pessoa que está entre os 5% mais pobres gasta, com absorventes, o equivalente a três anos de trabalho.
Atualmente no estado de São Paulo, há duas iniciativas que pretendem garantir o acesso a absorventes descartáveis. Uma delas é o Dignidade Íntima, que deve disponibilizar o item em todas as unidades escolares da rede estadual, para estudantes e colaboradores, apenas o Programa Farmácia Popular oferece absorventes para a população em situação de rua que possuam cadastro no CadÚnico. No entanto, para Leila, as ações ficam na teoria. “A gente tem serviços públicos que não funcionam, tem o absorvente que não é distribuído nas unidades públicas e nos postos de saúde como deveria”.
O contexto social atual, também, não facilita os desafios enfrentados pelas pessoas que menstruam e encontram-se em situação de rua. Com os receios nos assuntos relacionados a saúde íntima e menstruação que impossibilita a propagação de informações sobre o tema. “É ok menstruar, tudo bem, é tão natural quanto suar, é tão natural quanto tossir. Isso começou a ser trabalhado agora para as próximas gerações [..] Então, na rua, o tema ainda é um tabu muito grande.”, comentou Leila.
Com a falta de acesso à informação, o entendimento sobre o próprio corpo se soma aos problemas enfrentados na vulnerabilidade menstrual, ao mesmo tempo, resultando em maior facilidade para desenvolver infecções graves e diagnósticos tardios de doenças como a endometriose. “Principalmente mulheres em situações de rua, acabam não tendo contato com água, sabonete, lenço [..] o que adianta se ela tiver essa troca de absorvente e não tiver a higiene correta [..] vai ter infecção, como vai tratar? Temos que pensar nessa questão de qual doença, qual infecção pode ser […] precisa de remédio, onde ela encontra”, explicou a enfermeira Nicole Aranha.
Em uma iniciativa de diminuir a quantidade de pessoas em situação de rua sem acesso a absorventes e produtos de higiene, Leila, Ignez e Sueli juntaram-se ao GAS, “A primeira coisa que senti (ao entender sobre a situação menstrual nas ruas) foi uma sensação de impotência e de pensar que demorou muito para que políticas públicas fossem usadas para ter esse olhar de empatia e humanidade”, revelou Sueli, voluntária da ONG.
O papel dessas mulheres, participantes do Elas Também Sangram, frente do Instituto GAS que promove itens de higiene, é trazer o mínimo de dignidade possível para pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social. “Isso faz parte do trabalho quando a gente está lá é com relação a eles, é um olhar para eles. Então, a realização pessoal é a gente estar podendo cumprir essa função e entregar o mínimo.”, explica Ignez Miti, uma das voluntárias da frente.
Contrária a ideia da menstruação como assunto que não deve ser comentado, o movimento do Sagrado Feminino busca entender o ciclo como um empoderamento, algo que pode gerar indignação naqueles ativos contra a pobreza menstrual. “A menstruação é algo químico do corpo, não tem nada de divino [..] Você não precisa menstruar para se sentir mulher.”, destacou Leila.
Entender sobre a pobreza menstrual é compreendê-la como a falta de dignidade. Ao ver a vulnerabilidade na escassez do conhecimento sobre o corpo, direitos e saúde, pode-se perceber como o tema é mais amplo do que a forma em que é visto. Em um cenário em que a menstruação é acompanhada da falta de condições básicas de higiene íntima, a carga mental e autoestima também é negligenciada. De acordo com a enfermeira Nicole, o Sistema Único de Saúde (SUS) promove rodas de conversa com pessoas em tratamento de doenças, e condições semelhantes. “Não dá para tratar a saúde da mulher e esquecer da saúde mental dela […]”, explicou.
Diante desse cenário, é fundamental que as políticas de saúde sejam promovidas pelo Governo do Estado e contribuam não apenas para a assistência física, mas também para a saúde mental dessa parte da sociedade. A prevenção da pobreza menstrual contribui para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Nicole, também acredita que a participação do governo pode contribuir positivamente para isso. “Mas isso é só com programas mesmo, porque é o que eles vão oferecer é programa, é essa realmente a promoção de saúde, que envolve o SUS, né, então, assim, eu acho que quem mais consegue fazer num tempo rápido e que alcança mais pessoas assim de uma vez, é a gente mesmo”, explicou.
*Texto produzido com a supervisão da professora Vaniele Barreiros
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