Pets e Vulnerabilidade Social: O Novo Desafio de ONGs em São Paulo
- portalentrefocos
- 10 de jan.
- 4 min de leitura
O aumento de pets de pessoas em situação de rua é uma nova preocupação para ONGs de animais
Por Camilly Pinheiro e Sofia Magalhães*

As gatas com peitoral e coleira chamam a atenção das pessoas que passam pelo bairro da Vila Mariana, zona sul de São Paulo. Ao olhar mais de perto, o fato delas morarem em barracas com dois homens em situação de rua, a reação se transforma em comoção. Essa situação aumenta na cidade e preocupa ONGs de animais que buscam alternativas para o atendimento desses animais vulneráveis.
Um estudo de 2023 da UFMG com base em dados do Cadastro Único, aponta que houve um aumento de 8,2% nos casos de pessoas em situação de rua em São Paulo, dado alarmante, mesmo para uma metrópole que sempre foi conhecida por ter uma grande população de pessoas em situação de rua. O número de animais abandonados não diverge, sendo estimado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que cerca de 30 milhões de animais estão abandonados no Brasil, São Paulo detém 2 milhões desses animais.
“Existem locais específicos, onde está com muita concentração de animais de rua. Não de pessoas em situação de rua, abandonados mesmo.” Sobre uma possível superlotação de gatos e cachorros na cidade de São Paulo, relata Mariane Alves, diretora do projeto Veterinários nas Ruas, uma organização sem fins religiosos e lucrativos que promove a saúde e bem-estar dos animais em situação de rua. “(…) a quantidade de animais passando fome, de animais realmente de rua, é enorme.” A alimentação e o cuidado torna-se o grande diferencial. Mesmo em condições precárias, o pet de uma pessoa em estado vulnerável é cuidado, diferente dos que são abandonados. Essas pessoas buscam atendimento veterinário de ONGs, para a vacinação de seus companheiros, ração, remédios e até anti-pulgas.
Não é incomum ver pessoas em situação de rua colocando a saúde e o bem estar do animal acima da sua. “No geral, dou o que eu tenho ali, coleira, ração, cobertor, enfim. Faço vermifugação… Então, no geral, eles estão bem” completou. Para os atendimentos, a ONG leva tendas para locais estratégicos da cidade. Os voluntários chamam a atenção dessas pessoas para fazer as ações, mas Mariane relata uma dificuldade: “Eu acho que o lugar que a gente mais ajudou foi uma comunidade em Osasco (…). Eu senti que eu tava fazendo muito pouco que tudo que eu levei ali não ia ajudar nem um por cento, sabe?”. A contradição de fazer uma ação e mesmo assim achar que não fez o suficiente ilustra a precariedade que muitas ONGs enfrentam ao lidar com o grande volume de pets nessas condições.
A presença de animais ao lado de pessoas em situação de rua tornou-se uma realidade habitual nas ruas de São Paulo. E muitas vezes, essas pessoas buscam no animal, a companhia que não tem no dia a dia, oferecendo em troca o carinho que o pet pode nunca ter conhecido na vida, consequentemente aumentando o número de cães e gatos tutelados por eles.
“Se torna um filho (…). Já me ofereceram mil reais por ela, já me ofereceram 300 reais e eu não vendi. (…) a gente é mais feliz.” Relata Gabriel, morador de rua e tutor da gata Bella, que não está abandonada e sim é companheira de alguém. Ele vive em frente a Oxxo da Vila Mariana e divide uma barraca com o amigo, Vitor, também tutor de um pet, a gata Luah. Para criar o melhor ambiente para as gatas, eles vendem doces em frente ao estabelecimento ou tentam conseguir doações para as felinas.
“Então, são coisas muito pequenas que já fazem muita diferença e é isso, é muito pouquinho, sabe?” diz Mariane. Para ela, o passo inicial para o crescimento das ações das ONGs é a ajuda da comunidade. A doação de ração, cobertor, água pode ser feita em conjunto com moradores dos bairros, e é uma assistência que pode parecer pouco, mas que para quem não tem nada, é um exemplo de humanidade.
Por enquanto, a solução encontrada pela ONG para contornar o aumento significativo de animais em situação de rua é o encaminhamento desses cães e gatos para castração em hospitais públicos. A Veterinários na Rua só pode realizar atendimentos simples, como distribuição de vermífugos e uma consulta rápida. A castração é um procedimento que deve ser feito em local seguro e adequado, por isso, os donos dos animais que possuem os documentos necessários, como comprovante de residência e RG, precisam se dirigir a esses veterinários públicos.
Mesmo com essa alternativa, o respaldo para essas pessoas é quase inexistente. Os animais só podem ser tratados caso seus tutores tenham documentação de identificação, o que no caso de pessoas em situação de rua, é de difícil acesso, e seus animais correm risco de contrair doenças e até definhar por condições que já têm tratamento.
*Texto produzido com a supervisão da professora Vaniele Barreiros
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