Compras compulsivas em tempos de estresse econômico e hiperconectividade
- Portal EntreFocos
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No país do clique fácil, mídias sociais alimentam onda de consumo exagerado
Isabella Dias
Supervisão: Prof. Antônio Iraildo Alves de Brito

Entre boletos atrasados, prateleiras virtuais repletas de “ofertas imperdíveis” e uma rotina marcada pela ansiedade, cresce o número de brasileiros que encontram nas compras uma fuga emocional para suportar tempos de crise. Em meio ao estresse econômico e à hiperconectividade digital, o ato de consumir deixou de ser apenas uma escolha e passou a representar uma tentativa de preencher o vazio deixado pela insegurança e pela pressão social. O prazer de clicar em “finalizar compra” dura pouco, logo vem a culpa, a dívida e a sensação da perda de controle na qual marca a vida de quem transforma o consumo em refúgio.
Tempo em que a mídia digital manipula a população à uma obtenção imediata, vivendo em uma sociedade capitalista, com uma grande frustração econômica na qual encontra-se a desigualdade social, perda de renda, desemprego ou insegurança no trabalho; e sempre reforçando a ideia de que se adquirir determinado produto, a pessoa terá status, reconhecimento e empoderamento dentro da sociedade, deve-se tomar cuidado para não cair no que chamamos de consumidor compulsivo ou oniomaníaco.
O consumo compulsivo — conhecido clinicamente como oniomania — tem se intensificado em um cenário marcado por instabilidade financeira e estímulos digitais constantes. Mais do que uma simples dificuldade de autocontrole, trata-se de um comportamento impulsivo na qual envolve a busca incessante por alívio emocional em meio às compras. Esse padrão revela uma tentativa de compensar frustrações e ansiedades cotidianas, transformando o ato de consumir numa válvula de escape para lidar com pressões internas e externas.
No município de Guarulhos, em um sobrado laranja, vive Josinéia Cristina. Mãe de dois filhos e dona de casa, sofre com o consumismo. Retratou que, em muitas noites costuma entrar nos sites de lojas e ver “o que tem de bom” e no final acaba comprando exageradamente, sem necessidade. Segundo ela, é uma forma de fugir da realidade e ser feliz, independentemente dos gastos futuros. “Só assim eu consigo me distanciar da ansiedade e me sentir por dentro do mundo […]”, relata.
Mesmo reconhecendo o problema, Josinéia não consegue fugir, com apenas uma virada de mês ela já vai ao shopping ver os novos lançamentos, comprar roupas para os filhos e, assim, chega em casa com milhares de sacolas. No dia seguinte à noite — depois de um longo dia cansativo — a mãe entra nos sites e gasta mais. “[..] Depois que olho o valor da compra total, me bate um arrependimento e eu sempre falo que mês que vem isso não vai acontecer, mas chega o mês seguinte eu compro mais ainda, teve um mês que gastei mais de R$30 mil. Mesmo que eu tente mudar, eu não consigo” Afirmou a Guarulhense.
Em uma pesquisa, por meio do aplicativo “X” (antigo “Twitter”), foi detectado inúmeras vítimas do consumo compulsivo e de oniomania.
Uma pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do SPC Brasil, em parceria com a Offerwise, revelou que 62% dos consumidores brasileiros admitem realizar compras não planejadas pela internet, levando em consideração onde a região Sudeste do país sofre mais com o transtorno de oniomania, especialmente o Estado de São Paulo, na qual é o maior mercado consumidor do país.
Segundo Emerson Braz, economista, mestrando da PUC-SP e trabalhador no mercado financeiro com riscos e modelagem, explica que o avanço das compras compulsivas em meio à hiperconectividade digital tem produzido efeitos preocupantes na economia brasileira, sobretudo entre jovens e famílias de baixa renda.
Conforme ele, a facilidade de pagamento, dos cartões ao Pix parcelado, aumenta a probabilidade de endividamento e faz com que uma parcela crescente da renda das famílias seja direcionada apenas ao pagamento de dívidas e juros, reduzindo o consumo real e enfraquecendo a demanda por bens e serviços. Para Braz, esse comportamento é alimentado por uma lógica de fetichismo da mercadoria, na qual o consumo se torna marcador de identidade e pertencimento, mesmo em detrimento da estabilidade financeira.
“Não são as pessoas que controlam as coisas, mas as coisas (o dinheiro, o consumo, o mercado) que passam a dominar as pessoas”. -Emerson Braz, economista e trabalhador no mercado financeiro com riscos e modelagem.
Dentro da psicologia, a compulsão funciona como um vício. A pessoa começa comprando mais do que deveria e, sem perceber, isso vai aumentando até que passa o dia inteiro pensando em compras, aproveitando qualquer tempo disponível para fazer isso.
Segundo a especialista Giovana Laurino, formada em Gestão de Recursos Humanos e com pós-graduação em Psicologia, aponta que os primeiros sinais da oniomania aparecem de forma discreta — com a sensação constante de “precisar” de tudo o que se vê — e o transtorno pode atingir qualquer pessoa, independentemente de idade ou classe social. “[..] Os gatilhos podem variar, mas o distúrbio em si não escolhe perfis específicos”, diz ela.
Em meio a um cenário de ansiedade e tédio amplificados pela instabilidade financeira, muitos encontram no ato de comprar um alívio imediato, embora passageiro. Giovana reforça estratégias simples como buscar atividades alternativas e procurar apoio profissional, podem ser decisivas para interromper o ciclo. Acima de tudo, a psicóloga deixa uma mensagem clara: “Ninguém precisa enfrentar sozinho a perda de controle sobre o consumo; ajuda qualificada existe e está ao alcance”.
O futuro do comportamento de compra no Brasil está marcado por um aumento significativo de compras compulsivas estando em um período de pressão, estresse econômico e maior acesso às mídias sociais. Plataformas digitais tendem a se tornar ainda mais personalizadas e persuasivas, estimulando o consumo através de ofertas instantâneas, algoritmos direcionados e experiências de compra cada vez mais imersivas.
Em um cenário de tensão financeira contínua — esse ambiente pode fazer mal para indivíduos emocionalmente fragilizados — ampliando o risco de desenvolver oniomania. Ao mesmo tempo, cresce a expectativa de que a conscientização pública, o acesso a atendimento psicológico e a regulamentação das práticas de marketing digital tornem-se forças essenciais para conter a escalada desse problema, definindo o rumo das próximas décadas.
O economista Emerson Braz, pensando posteriormente esclarece cautelosamente: “Acredito que a arquitetura das plataformas digitais, desenhada para estimular impulso e conversão imediata em compras, torna improvável que os consumidores desenvolvam, no curto prazo, uma relação realmente consciente com o consumo online”.
A guarulhense Josinéia Cristina, vítima do transtorno de oniomania, segue buscando redes de apoio para melhorar o comportamento, a família auxilia-a considerando que a situação não se agrave mais e a prática compulsiva não contagie e espalhe entre indivíduos próximos. Deste modo, não se trata apenas de um caso isolado, mas de um sinal de alerta sobre como a pressão econômica e a grande conexão digital podem ampliar a vulnerabilidade a ações compulsivas, reforçando a importância de monitoramento, orientação especializada e prevenção a esse caso.




