
Espetacularização da CPI das Bets é a ‘pá de cal’ na sociedade brasileira
- Filipe Pereira
- 23 de mai.
- 3 min de leitura
Atualizado: 28 de mai.
Comissão parlamentar sobre plataformas digitais de apostas ganhou atenção do público após depoimento da influenciadora Virgínia Fonseca

Um dos assuntos que têm mais chamado atenção na mídia geral, seja na internet, em outdoors ou nos jogos e camisas de futebol, é a propagação das apostas no Brasil. Permitidos pelo ex-presidente Michel Temer e regulamentados no início deste ano, os jogos oferecem a promessa de ganhos fáceis de uma forma divertida.
Em um país em que as diferenças econômicas são gritantes, qualquer promessa de ganho rápido enche os olhos da maioria da população, principalmente de pessoas que passam metade dos dias no transporte e trabalho por salários que muitas vezes nem fecham o orçamento.
No entanto, a promessa virou uma dor de cabeça e despertou um vício, uma pandemia. Famílias destruídas, dívidas e impactos negativos na economia são apenas alguns dos efeitos colaterais desse mal, mas que não são mostrados nas redes dos influenciadores que divulgam esses produtos indiscriminadamente.
Dados divulgados pela CNC (Confederação Nacional do Comércio) estimam que, em 2024, o setor varejista perdeu cerca de R$ 109 bilhões por conta de apostas on-line. Já em depoimento à CPI das Bets, instaurada em novembro de 2024 e que acontece no Senado até 14 de junho, o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, e o secretário-executivo do órgão, Rogério Lucca, informaram que os brasileiros gastam de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões por mês com as bets.
Mas foi na CPI das Bets que o assunto ganhou novo contorno. Na comissão parlamentar do dia 13 de maio, um episódio um tanto quanto constrangedor marcou as redes sociais e escancarou o emburrecimento do povo brasileiro e a glorificação da sociedade do espetáculo. Na cena em questão, que durou tortuosas quatro horas, a apresentadora, empresária e influenciadora digital Virginia Fonseca prestou depoimento que causou memes não tão positivos para sua imagem.
Além das faltas de entendimento, tanto da influencer como dos parlamentares em produzir e responder perguntas, a audiência, que deveria tratar de um assunto urgente, se tornou um reality show. Com milhões de pessoas assistindo na internet, a outiva foi banhada por pedido de foto dos parlamentares com a criadora de conteúdo e tentativas frustradas por Virgínia de emplacar um meme.
E se tem uma coisa que não se pode negar é o poder comunicacional de Virgínia, que criou uma imagem para sua presença no Senado. Com uma mistura sóbria de óculos e moletom com o rosto da filha, a influencer tentou passar uma mais inocente, mas, ao mesmo tempo, o copo térmico rosa grande com o nome de sua marca de cosméticos, mostrou todo o exagero de seu estilo nas redes.
No entanto, Virgínia esqueceu de uma coisa básica: ela não estava participando de mais uma publicidade na internet, mas respondendo às perguntas sobre os conteúdos postados por ela nas redes sociais, divulgando os jogos on-line e que podem ter pesado no bolso de seguidores que não recebem 1% do patrimônio da administradora por mês.
Na sequência da falta de noção, a convidada da CPI mostrou que sabia muito bem o que estava fazendo, a empresária pareceu não se preocupar nos possíveis danos causados a milhares de pessoas. Não alegou arrependimento, mas aproveitou para responsabilizar os senadores pelos problemas das bets, colocando-os apenas como responsáveis pelas leis sem lembrar que tem mais de 50 milhões de seguidores, além de aproveitar o direito de permanecer em silêncio nos momentos chaves.
Vale ressaltar que não apenas a empresária cometeu deslizes, os parlamentares também não souberam desenvolver perguntas, perdendo a oportunidade de realizar questionamentos realmente pertinentes e que poderiam escancarar ainda mais o problema, que ficou em segundo plano na espetacularização do evento. Até mesmo a relatora da comissão, a senadora Soraya Thronicke (Podemos - MS), aproveitou para tietar a criadora de conteúdos, fechando com chave de ouro o dia que poderia ser um episódio de “The Office”.
Ao apagar as luzes, os políticos e influencers acabam saindo pela mesma porta, rindo uns com os outros, tirando selfies e com os bolsos cheios de dinheiro, enquanto a população — que é a mais prejudicada nessa história —, acaba esperando a ajuda dos parlamentares e curtindo as postagens de seus perfis preferidos nas redes, fechando ciclo perfeito dessa grande cena cômica que é o Brasil.
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