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Mãe de João Vinícius ‘luta por justiça’ contra empresa de eventos que se nega a cumprir deveres legais 

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    EntreFocos
  • 19 de set.
  • 6 min de leitura

Família de jovem que morreu eletrocutado em festival no Rio de Janeiro ainda não recebeu amparo da produtora brasileira 30e 


Arthur Rocha Coelho 

Especial para o EntreFocos


Roberta Isaac (dir.) e o filho João Vinícius, que morreu eletrocutado durante o festival I Wanna Be Tour RJ de 2024 | Reprodução: Instagram @robertaaaiis
Roberta Isaac (dir.) e o filho João Vinícius, que morreu eletrocutado durante o festival I Wanna Be Tour RJ de 2024 | Reprodução: Instagram @robertaaaiis

Mais de um ano após a morte de João Vinícius Ferreira Simões, vítima de eletrocussão no festival I Wanna Be Tour RJ, em 9 de março de 2024, a mãe do jovem, Roberta Isaac, afirma que ainda não recebeu nenhum tipo de apoio psicológico ou financeiro da 30e, produtora responsável pelo evento realizado no Riocentro.


Com a perda, ela transformou a dor em luta ao abraçar uma causa social pela denúncia da banalização da vida humana por parte de empresas privadas e pela cobrança à esfera pública por mudanças verdadeiras. “Como mãe, esperava, no mínimo, uma atitude de respeito da empresa responsável, mas, ao invés disso, recebi apenas o silêncio ensurdecedor e o descaso”, afirma Roberta, que está há mais de oito meses sem “nenhum tipo de suporte emocional, explicação ou sequer uma palavra de conforto em um momento de tamanha vulnerabilidade”. 


Na edição do ano passado, o festival teve uma mudança de local anunciada 15 dias antes da realização na capital carioca. Originalmente programado para ocorrer no estádio do Engenhão, o Nilton Santos, o evento passou para o Riocentro, onde a morte ocorreu enquanto uma forte tempestade acontecia.


De acordo com a perícia, as instalações do local estavam em desacordo com as normas técnicas, com fios desencapados e submersos na água. As testemunhas no local relataram ao jornal Correio Braziliense que não houve nenhum aviso ou protocolo de segurança indicado ao público. 


Após o ocorrido, a família realizou uma denúncia que foi formalizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro e resultou em um pedido de prisão preventiva de nove pessoas por dolo eventual (quando se assume o risco de que a conduta possa resultar em um crime, mesmo sem a intenção direta de cometê-lo), e quatro por fraude processual. Dentre os envolvidos, estão integrantes da produtora 30e. Os próximos passos jurídicos dependem da análise do magistrado. 


No dia 10 de março, a produtora 30e emitiu uma nota oficial em nas mídias sociais lamentando a tragédia e afirmando já ter estabelecido contato com a família do jovem para prestar solidariedade e toda assistência necessária.


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Ao contrário da versão da empresa, a família alegou falta de suporte por parte dos envolvidos. “Ainda mais doloroso é constatar que a 30e não demonstrou qualquer apoio ou solidariedade, deixando nossa família completamente desamparada em meio a essa dor insuportável”, diz a mãe do jovem, que também denuncia a falta de assistência psicológica e financeira por parte da produtora. 


“A morte de meu filho João Vinícius trouxe à tona uma dor insuportável, que deveria ter sido minimamente acolhida. No entanto, além de não arcarem com as custas funerárias, também ignoraram a necessidade de apoio psicológico, obrigando-me a buscar tratamento psiquiátrico particular enquanto luto sozinha contra a imensidão do meu sofrimento” - Roberta Isaac

Segundo o advogado Jorge Rubem Folena de Oliveira, cientista político e secretário-geral do Instituto dos Advogados Brasileiros e Presidente da CJTM (Comissão de Justiça de Transição e Memória da OAB), tanto a empresa responsável pelo evento quanto a administradora do Riocentro possuem responsabilidade legal de reparação civil de danos à família da vítima. 


“Todos que causam danos a alguém, seja de forma direta ou indireta, têm de se responsabilizar. Seja por ele, quem causou ou seja por seus empregados. Têm de assumir a responsabilidade e, por consequência, indenizar". De acordo com Oliveira, há previsão legal para isso, na legislação brasileira e na Constituição Federal. Está previsto também no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. 


Para o especialista, a reparação deveria ter uma proposta de juízo contra todas as partes envolvidas: “contra a promotora do evento, contra a firma e contra o local em que ocorreu o evento, o Riocentro, que cedeu lá o local e tem uma responsabilidade solidária de todos”. 


Ele também explica como essa reparação deveria se aplicar à família da vítima. “Tem de ter a atuação da proteção do direito do consumidor, como também uma reparação civil que tem que ser material e moral. Material é a reparação no sentido de ter uma indenização pessoal para seus familiares”, esclarece. Já o dano moral, que é chamado de dano moral reflexo, conhecido na jurisprudência como dano ricochete, “porque ele é reflexivo, deveria ser reparado para pai, mãe, irmãos, avós, tios e até primos, poderiam buscar essa reparação também”. 


Segundo entrevista na Veja com Pepeu Correa, dono da 30e, a empresa já arrecadou cerca de R$ 1,4 bilhões desde 2022. Ela também lidera a realização de grandes eventos de artistas nacionais e internacionais, com nomes que incluem System Of A Down, Planet Hemp, Gilberto Gil, Twenty One Pilots e uma segunda edição do I Wanna Be Tour.


 A família de João Vinícius, porém, segue com o discurso da injustiça. “Quando penso na morte do meu filho e olho para tantas outras tragédias em eventos pelo Brasil, como o incêndio da Boate Kiss, a morte de Lucas Dantas afogado no festival Terratronic ou mesmo a perda de Ana Clara durante o show da Taylor Swift fica evidente que a negligência, o descaso e a busca desenfreada pelo lucro ainda são mais valorizados do que a vida humana”.


A empresa foi procurada, mas não respondeu até o momento. 


Mãe ativista: ‘minha luta por justiça para João Vinícius não é só sobre a sua memória’ 


Desde a perda, Roberta Isaac concentrou o luto e a dor em uma forma de ativismo por meio das redes sociais do X e do Instagram, respectivamente pelas verificadas contas: @robertaisa66151 e @robertaaaiis. No ambiente digital, ela faz postagens de cobrança a produtoras e organizadoras de eventos, exigindo medidas concretas que possam garantir a segurança do público. 


“Meu objetivo é evitar que outras famílias passem pela devastação que a minha família enfrenta, transformando minha luta em um alerta e em uma busca incessante por mudanças reais. Minha luta por justiça para João Vinícius não é só sobre a sua memória, mas sobre honrar cada uma dessas vidas perdidas, denunciando a banalização dessas tragédias e pressionando por mudanças que garantam que eventos sejam um lugar de celebração e não de dor”. 


O principal argumento da mãe do jovem é a urgência de que o poder público, as empresas e a sociedade como um todo reconheçam que vidas não podem ser colocadas em risco por falhas evitáveis. “Precisamos transformar nossa indignação em ação coletiva, cobrando rigor, fiscalização e respeito à dignidade humana, para que nenhuma família precise passar pelo sofrimento que tantas de nós conhecemos”. 


Tudo isso é também necessário pois ela considera que “a sociedade ainda não está plenamente mobilizada ou preparada para exigir das empresas privadas e dos órgãos públicos a responsabilidade necessária em casos de tragédia”. Sua atuação ativista está intimamente ligada a uma luta para que os Direitos Humanos no Brasil por condições de dignidade e segurança pessoal e coletiva sejam organizados o suficiente. 

“Como envolve a morte de alguém, obviamente também envolvem os Direitos Humanos. Mas as organizações de Direitos Humanos, as entidades de Direitos Humanos, elas se colocam, geralmente diante daqueles casos em que haja um envolvimento direto, mas com relação a massacres, e violências perpetradas pelo mundo”, explica o advogado.

O CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos) foi procurado por um posicionamento sobre o caso e alegou não tomar conhecimento da situação, o que, segundo a declaração: “impossibilitaria qualquer participação ou emissão de nota”. Já o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do Rio de Janeiro não emitiu qualquer resposta até o momento.


Nenhum grupo ou organização de proteção aos Direitos Humanos se posicionou sobre a tragédia ou pela luta por segurança nesse setor. Somando-se políticos, ONGs e profissionais atuantes da área, mais de 10 atores da sociedade civil foram procurados e nenhum deles respondeu ou se posicionar sobre o tema. 


Roberta revela sua frustração: é “profundamente decepcionante” que órgãos de proteção aos Direitos Humanos permaneçam alheios a essa questão, ignorando o impacto de tragédias como essas. “A ausência de uma atuação firme por parte de órgãos de proteção aos Direitos Humanos é um reflexo triste da desatenção com os valores fundamentais da vida e da justiça revela um grave descaso com as vítimas e com a prevenção de tragédias futuras.”


O advogado Jorge Folena faz uma ressalva a tais cobranças, mas também destaca a ação limitada de organizações de Direitos Humanos que Roberta luta para expandir. “Entendo que nessa situação nós estamos diante de um caso que envolve responsabilidade civil por danos causados a um consumidor final. Esse assunto deveria ser enfrentado, levado à Comissão Nacional de Direitos do Consumidor, mas isso não quer dizer que elas [organizações de Direitos Humanos] não deveriam se posicionar”.


‘Show não pode ser sentença de morte’: I Wanna Be Tour 2025


A produtora 30e realizou uma nova edição do festival em agosto deste ano, mas dessa vez apenas em Curitiba e São Paulo, excluindo as cidades de Belo Horizonte, Recife e Rio de Janeiro. A família de João Vinícius esteve presente no portão B do estádio Allianz Parque com panfletos e banner em uma ação de justiça e protesto pela memória do jovem e outras vítimas da falta de segurança em eventos.


Nas mídias sociais, Roberta declarou ter sido abordada por policiais para retirar os cartazes, segundo ela, a pedido da produção do festival | Reprodução: X @jnflesch
Nas mídias sociais, Roberta declarou ter sido abordada por policiais para retirar os cartazes, segundo ela, a pedido da produção do festival | Reprodução: X @jnflesch

*Texto produzido com a supervisão da professora Rita Donato



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