Som da inclusão: projetos sociais expandem o acesso aos musicais brasileiros
- Portal EntreFocos

- há 46 minutos
- 5 min de leitura
Ações inclusivas ampliam o alcance dos espetáculos e levam o encanto dos musicais a quem antes estava distante da cultura
Ana Clara Meneses
Supervisão: Prof. Antônio Iraildo Alves de Brito
Há 34 anos, o Ministério da Cultura é responsável pela Lei Rouanet n. 8.313/1991, a qual foi criada com o objetivo de captar e canalizar recursos para o setor cultural de modo a facilitar o acesso de todas as pessoas do país às fontes da cultura e promover o pleno exercício dos direitos culturais, além de estimular e fomentar a produção, preservação e difusão cultural, principalmente por meio de incentivo fiscal concedido a quem patrocina projetos com esse fim.
A Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) favorece a realização de diversos espetáculos, sendo assim, a capital de São Paulo tem grandes palcos como Teatro Santander, Teatro Renault, Teatro Liberdade, Teatro Sabesp Frei Caneca, e Teatro Porto, que oferecem seus espaços para espetáculos musicais que celebram a vida de artistas brasileiros como Ney Matogrosso e Djavan, além de receber adaptações deslumbrantes de sucessos da Broadway, como Wicked e DreamGirls.
Com superproduções que atraem milhares de pessoas aos teatros, os preços de ingressos também se tornam mais altos chegando em valores próximos a R$500,00. E enquanto algumas pessoas atravessam estados para ver suas peças favoritas, certa parte da população brasileira não tem renda suficiente para comprar um ingresso e ter acesso à espetáculos musicais.
O esforço é reconhecido
Projetos sociais como o “Mundo dos Musicais” e “JS Musicais” desempenham um papel fundamental ao levar cultura e arte a públicos em situação de vulnerabilidade. Com ingressos distribuídos gratuitamente, Leandro Feitosa, representante do Mundo dos Musicais, reforça a importância de garantir acesso à cultura em um contexto marcado por tantas desigualdades e destaca, ainda, a relevância de pequenas companhias de teatro independente, como a JS Musicais.
“O fato dessas pequenas produtoras independentes existirem contribui para que pessoas que gostariam de acessar o teatro, mas não têm condições financeiras, consigam acessar de alguma forma”, explica Feitosa. Com orgulho do alcance do projeto, ele acrescenta: “Posso te dar total clareza de que pelo menos 1.800 pessoas já foram ao teatro pelo projeto. É praticamente mais do que a capacidade do Teatro Renault, que é o maior teatro de São Paulo”.
Entre os maiores musicais da Broadway, Wicked Brasil realiza sessões regulares às 15h, no Teatro Renault, destinadas exclusivamente a ONGs, escolas públicas e outras instituições. No universo fantástico de Oz, a magia toma conta do público infantil, e Leandro descreve com propriedade o impacto dessa experiência.
“Inclusive é até legal falar que a gente já levou orfanato para assistir Wicked. O voo da Elphaba, onde ela vem atravessando a plateia, ver a alegria e a energia das crianças ao ver aquela experiência que provavelmente só vão ter aquela vez e depois pode ser que eles não consigam mais acessar aquilo em um outro momento devido à sua classificação social. Hoje ela é muito gratificante. Eu acho que é quando a gente para e a gente fala assim ‘meu Deus, o trabalho está feito’”, revela.
Alicia Yaeza, atriz e dançarina, interpreta Heather Duke na adaptação de Heathers produzida de forma independente e gratuita pela JS Musicais. “Dentro do teatro musical, eu aprendi a me enxergar como artista e a me entender comigo mesma”, afirma Alicia. Ela destaca a relevância de projetos sociais que democratizam o acesso ao teatro, já que o preço dos ingressos pode afastar o público. “Se você encontrar uma peça de teatro pela primeira vez e você ver um valor muito alto para ser pago, e você ao menos sabe sobre o que é, ou se vai gostar, na maioria das vezes as pessoas não pagam e não querem assistir, é um valor alto por algo que ‘nem sei se é bom de verdade’”, explana.
Para ela, iniciativas sem fins lucrativos não apenas ampliam o acesso à cultura, mas também contribuem para a formação de novos artistas. “A partir do momento em que você faz algo que você ama, as pessoas olham e realmente veem se você ama de verdade, as pessoas vão olhar e vão falar ‘nossa, essa pessoa realmente faz algo porque ela ama’. Então, você ter a coragem de fazer uma coisa sem fins lucrativos só porque você ama, pode abrir portas para as pessoas que, às vezes, têm medo de estarem ali, porque, às vezes, podem pensar que não vale a pena”, destaca.
Luz, palco e brilho no olhar
Dentro dos grandes teatros, a presença de artistas reconhecidos também revela um compromisso com projetos sociais que ampliam a demanda e o acesso aos musicais brasileiros. Bia Vasconcellos, que já interpretou personagens em Meninas Malvadas, Legalmente Loira e atualmente integra o elenco de A Chorus Line, recorda com carinho as sessões de contrapartida social. “Eu sempre ficava muito animada para essas sessões porque é uma outra energia. Crianças são muito ingênuas, dá para ver que a reação delas é muito verdadeira e eu fico sempre muito feliz. Eu amo criança, amo esse contato, o brilho no olhinho é muito especial”, conta emocionada ao lembrar das apresentações semanais de Legalmente Loira voltadas para ONGs e instituições. “Por isso que eu faço arte, porque é impossível não se emocionar”.
Isaac Belfort, conhecido por atuar em produções como Benjamin, O Palhaço Negro, Meninas Malvadas, DreamGirls e Ópera do Malandro, também atua como produtor à frente da Belfort Produções. Mais do que defender iniciativas sociais, ele participa ativamente delas e explica seu papel em diferentes instituições. “Poucas pessoas sabem, mas eu sou padrinho de uma ONG no Rio de Janeiro. Foi uma felicidade enorme levar essas crianças ao primeiro teatro da vida delas (...) desde então, tenho um pacto com elas: todos os espetáculos que eu posso, eu levo. Então, já assistiram vários”, conta. Seu envolvimento, porém, vai além do apadrinhamento. Isaac fundou um projeto social próprio. “Lá no Rio, fundei uma oficina de arte na quadra da Portela, junto com a rainha de bateria, Bianca (...) essa oficina está há seis anos em pé, sem nenhum incentivo financeiro. (...) Olha como a gente conseguiu deixar uma raiz muito profunda”, destaca.
Reescrever a história
O ator também reconhece que sua trajetória foi moldada por iniciativas semelhantes e relata a importância de projetos sociais e organizações não governamentais na formação cultural de jovens. “É muito louco esse tema, porque eu venho de projeto social. (...) Eu só sou ator de teatro musical por conta de um projeto social que me levou”.
A Lei Rouanet estabelece a obrigatoriedade de ações de acessibilidade não apenas no teatro musical, mas no teatro em geral, incluindo recursos como audiodescrição, libras e políticas de preços mais acessíveis. A democratização do acesso aos teatros se concretiza por meio de sessões regulares dedicadas a projetos sociais, além de ingressos promocionais em apresentações frequentes garantindo que públicos vulneráveis tenham acesso a boas vistas, como plateias centrais, e não apenas aos assentos com valores populares dos balcões.
Isaac Belfort expõe por fim que a relevância de uma obra não está restrita ao valor do ingresso ou ao lugar ocupado na plateia, mas à possibilidade de compreensão, identificação e transformação que o espetáculo pode gerar. “Nem sempre é sobre quem vai pagar R$500,00 para assistir à peça na primeira fileira, é sobre quem vai entender a obra, na minha concepção. (...) Acho que a gente tem que acreditar que consegue mudar o mundo do teatro musical democratizando o acesso, porque só assim a gente consegue fazer uma nova plateia e que, no fim, o teatro não vai morrer”.








Comentários