
Conversas de botas batidas
- Miguel Calado
- 3 de set.
- 2 min de leitura

Há histórias que nascem antes mesmo de começarem.
Como se o destino as rabiscasse no escuro, sem prometer continuidade, só o gosto breve do que poderia ser.
E foi assim: um encontro tão natural que parecia antigo. Um desvio de rota que, por instantes, se confundiu com chegada.
Foi tudo rápido, mas com a delicadeza de quem já se esperava há muito tempo.
Uma semana bastou pra que o mundo, tão pesado, parecesse leve.
Havia riso fácil, silêncio confortável, olhos que diziam mais do que mil planos.
E, no meio disso, uma estranha sensação de completude.
Como se, ao olhar para o outro, alguém visse, finalmente, a si mesmo — e, ainda assim, não soubesse o que fazer com aquilo.
Algumas histórias não terminam com tempestades, gritos ou adeus escancarado.
Terminam quietas.
Com um “tá tudo bem” dito tantas vezes que vira um mantra, mesmo quando nada está.
Com palavras que tentam soar maduras, mas carregam um nó de dúvida, um tremor no fundo da garganta.
Talvez o tempo tenha sido curto demais.
Ou talvez tenha sido justamente o bastante pra mostrar que há afetos que florescem, mas não criam raiz.
Porque existem amores que não se sustentam no mundo de fora, por mais que transbordem no mundo de dentro.
E há também ausências que a gente escolhe — não por vontade, mas por medo.
Medo do peso, do rótulo, do olhar atravessado.
Medo de ter que explicar o que deveria apenas ser sentido.
Medo de amar à vista de todos quando o coração só aprendeu a bater no escuro.
Ficam as lembranças — doces, quase irreais.
Fica o retrato de um afeto que foi puro, mesmo que breve.
Fica a sensação de que se viveu algo bonito demais pra durar.
E o silêncio que vem depois, esse sim, eterno.
Talvez no fim tudo se resuma a isso:
duas presenças sentadas lado a lado,
coração na mão e palavra pouca,
como quem entende que nem todo amor nasceu pra virar história.
Mas ainda assim, ficou a conversa.
Aquela, dita com o pé batendo no chão, nervoso e sincero.
Com os olhos desviando, mas dizendo tudo.
Com o tempo suspenso entre uma pergunta e o adeus.
Sim, conversas de botas batidas.
Do tipo que a gente nunca esquece,
porque mesmo sem finais, deixam marcas no caminho.
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