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Fake News em tempos eleitorais

Desinformação não é um evento novo, mas ganha força com a ascensão nas redes sociais e invade o cenário político mundial

Por: Filipe Pereira, Isabella Melo, Murilo Prado e Robin Santana

Quase 90% da população brasileira admite ter acreditado em conteúdos falsos, segundo pesquisa do Instituto Locomotiva | Freepik
Quase 90% da população brasileira admite ter acreditado em conteúdos falsos, segundo pesquisa do Instituto Locomotiva | Freepik

Primeira eleição presidencial após a redemocratização em 1989, no horário eleitoral, o programa de campanha do candidato Fernando Collor de Mello exibe um depoimento. Nele, Miriam Cordeiro, mãe de uma das filhas do então candidato e oponente de Collor, Luiz Inácio Lula da Silva, conta que o pai a havia oferecido dinheiro para abortar a filha, que Lula negou em vídeo ao seu lado em horário nobre.

Depois de 35 anos, nas eleições municipais de São Paulo, em sabatina ao UOL/Folha, o candidato à prefeitura Pablo Marçal (PRTB) atribui a culpa do suicídio do pai de Tabata Amaral (PSB) à então candidata, informação contestada pelas entrevistadoras no momento.

Ambas as situações podem parecer distantes, mas possuem uma ligação próxima: a propagação de notícias falsas no período eleitoral. O evento, que não é novidade atualmente, ganhou mais força com o crescimento das redes sociais. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto DataSenado, 81% dos brasileiros acham que as notícias falsas podem influenciar significativamente no resultado eleitoral e 72% dos entrevistados já se depararam com uma fake news.

O professor e cientista social Carlos Eduardo Aguiar cita o paradoxo criado em relação à quantidade de informação e o sentido gerado. "A gente vive em um contexto onde há muitas informações que circulam e, paradoxalmente, quanto mais informações circulam, menos sentido nós temos. Você pode estrangular um sistema social tanto pelo excesso, quanto pela falta.”

O professor exemplifica esse evento social no caso de países autoritários, como na Coreia do Norte, onde não há informação circulando e o sistema se estrangula, não havendo relações políticas nesse sentido. Como também ocorrido nas eleições venezuelanas, onde o governo publicou os resultados como oficiais para o povo, apesar de questionamentos da oposição e da comunidade internacional, cenário que persiste sem a divulgação das atas eleitorais, mas com o governo se preparando para mais um mandato de Nicolás Maduro, sendo essa a verdade estabelecida pelo governo.

No pleito municipal brasileiro em 2024, um dos candidatos mais relacionados à propagação de notícias falsas foi Pablo Marçal, na cidade de São Paulo, que durante o primeiro turno, publicou em suas redes sociais um laudo falso sobre o candidato Guilherme Boulos (PSOL), o relacionando ao uso de drogas e outra informação sobre Ricardo Nunes (MDB) agredir sua esposa.

Marçal chama Boulos de ‘cheirador de cocaína’ em debate na Band | Reprodução Band
Marçal chama Boulos de ‘cheirador de cocaína’ em debate na Band | Reprodução Band

Tais notícias foram propagadas pela rede dos seguidores do ex-coach e seguidas de cortes, incentivadas pelo próprio candidato por meio de conteúdos pagos. Os cortes são pequenos vídeos disseminados nas redes sociais com o intuito de favorecer o próprio candidato ou prejudicar a imagem do oponente.

A utilização dessa nova linguagem, atrelada à fake news, é recorrente no processo eleitoral e considerada uma estratégia que funciona na criação de ondas de desinformação, como afirma a coordenadora e professora de Jornalismo Rita Donato.

A especialista pontua os perigos desse tipo de informação por não ser propagada por jornalistas ou veículos que possuem responsabilidade com a verdade. “Uma pessoa comum ou um influenciador digital que não está dentro do nosso código de ética, não tem responsabilidade nenhuma de passar um fato, de apurar. Se as pessoas não entenderem primeiro quais são os veículos que têm credibilidade para que eles acessem esses canais, se eles ficarem confiando em todos os influenciadores, a gente vai ter cada vez mais problemas.”

Na busca de dar mais veracidade às fake news, conteúdos são vinculados à imagem de jornalistas. As famosas deepfakes (vídeo criados por inteligência artificial que usa a imagem e voz de uma pessoa) são usadas como no caso de Pernambuco, onde foi usada a imagem do apresentador Márcio Bonfim, falando no jornal NE1 sobre supostos escândalos de corrupção envolvendo o candidato a prefeito de Surubim, Cléber Chaparral (União Brasil).

Outro conteúdo que foi propagado em vários locais, com o mesmo vídeo, mas o texto modificado com ferramentas de deepfake, foram vídeos do apresentador William Bonner pedindo votos para candidatos a vereador. O vídeo original é de 17 de maio de 2024, longe do período eleitoral.

A estratégia de deepfake não é de uso exclusivo brasileiro. Nas eleições indianas de 2024, a ferramenta foi utilizada em larga escala se aproveitando da imagem dos atores de Bollywood. A ferramenta foi utilizada para criticar a imagem do primeiro-ministro, Narendra Modi, apoiando o partido opositor em uma manobra para interferir nos resultados.

O caso mais marcante na Índia foi o uso da imagem de Duwaraka que morreu aos 23 anos, filha de Velupillai Prabhakaran, chefe dos Tigres da Liberação do Tamil Eelam, ela apoiava a organização política que lutava pela criação de um estado independente. Duwaraka foi recriada e envelhecida por uma inteligência artificial generativa em um discurso político que incitava o povo tâmil a lutar pela sua liberdade.

A situação de cada população impacta de forma diferente na recepção das fake news, segundo o sociólogo Carlos Eduardo. “O contexto vai variar no impacto da recepção desse tipo de notícia. É claro que as notícias falsas são um fenômeno global, em todos os países, independentemente do nível educativo, mas países com um IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) mais elevado, nível de educação, educação midiática etc, fazem com que o impacto, a relevância das fake news sejam menores."

NOS EUA - A guerra de narrativas entre fatos e fake news foi o plano de fundo também das eleições presidenciais americanas, onde a disseminação de notícias falsas recebeu grande enfoque do candidato eleito Donald Trump e seu vice, J. D. Vance. Eles propagaram desinformações pelas redes sociais e nos debates que participaram.

Um exemplo é a falsa notícia citando imigrantes haitianos que roubavam e comiam animais de estimação de moradores da cidade de Springfield, em Ohio, fato que foi desmentido pelo prefeito da cidade e pelos mediadores do debate do canal ABC, onde Trump citou a informação em rede nacional.

Candidatos à presidência, Donald Trump e Kamala Harris, no debate realizado pela rede ABC em 10 de setembro | REUTERS/Evelyn Hockstein
Candidatos à presidência, Donald Trump e Kamala Harris, no debate realizado pela rede ABC em 10 de setembro | REUTERS/Evelyn Hockstein

Outras informações falsas, criadas na rede social X (antigo Twitter) ou na rede de Donald Trump, a Truth Social, eram propagadas em outras redes sociais como o Facebook e TikTok, que alcançavam um público maior do que apenas o das bolhas encontradas nas redes de origem.

Desinformação causa danos e solução parece distante

Em busca de possíveis soluções, a professora Rita cita a falta de educação midiática na sociedade para identificar as fake news, e o professor Carlos Eduardo aborda a importância dessa leitura crítica da mídia para tentar diminuir o impacto que essas notícias falsas têm sobre a sociedade. “Um ponto fundamental de algumas experiências é essa leitura crítica da mídia, educação midiática, essas iniciativas que, de uma certa forma, ajudam a confrontar esse tipo de situação, pelo menos para diminuir o impacto”, pontua o sociólogo.

Enquanto as soluções ainda não são totalmente efetivas, candidatos já alegam possíveis danos em suas candidaturas por conta das fake news. Na capital de Rondônia, Porto Velho, a candidata Mariana Carvalho (UNIÃO) atribuiu parte de sua derrota pela propagação de notícias falsas relacionadas a sua imagem que, apesar de não comprovada a relação, acende um alerta para os riscos das interferências nas eleições e aumenta a pressão em meios de combate à desinformação.

Governos e órgãos de controle buscam fiscalizar e punir criadores de fake news, porém, com a utilização das redes sociais e a propagação rápida das desinformações entre as bolhas, o controle pode, por muitas vezes, não acompanhar a agilidade da disseminação.

No caso das deepfakes indianas, em maio deste ano, a comissão eleitoral instruiu os partidos a removerem as deepfakes em até três horas após notificação das autoridades, mas a determinação não possuía poder de lei, o que não garantia a total remoção dos conteúdos.

Já nos Estados Unidos, a mídia utilizou de recursos como o fact-checked, jornalistas que checavam as informações em tempo real durante os debates e desmentiram informações falsas divulgadas. Além disso, as redes sociais têm buscado recursos para tirar publicações falsas ou sinalizar que aquele conteúdo não é verdadeiro, como o recurso Notas da Comunidade, na plataforma X. No entanto, essa ferramenta não apresentou um trabalho eficaz durante a apuração e deixou conteúdos falsos disseminados a vários usuários.

Já a lei brasileira definiu normas específicas para combater as fake news durante o período eleitoral, o artigo 323 foi adicionado a Lei nº 14.192/21. Assim, proíbe qualquer pessoa de divulgar, na propaganda eleitoral ou durante o período de campanha, fatos sabidamente inverídicos em relação a partidos políticos ou a candidatos, capazes de exercer influência perante o eleitorado. Ou seja, pune criminalmente quem espalha notícias fraudulentas e mentirosas pela internet ou pelas mídias tradicionais.

Segundo o artigo do Código, a pena para o responsável pela prática dessa conduta ilegal é de detenção de dois meses a um ano, ou o pagamento de 120 a 150 dias-multa.

O artigo pune não só quem divulga, mas também quem produz a propaganda com fatos falsos. Porém, na discussão sobre a responsabilização, entrou em pauta o papel das Big Techs da informação, por abrigarem os perfis que compartilham informações falsas. Projetos de leis, como o PL 2630/2020, que ficou conhecido como “PL das Fake News”, estão em discussões entre os parlamentares, mas encontra resistência, principalmente da extrema direita.

O ministro Alexandre de Moraes ocupou o cargo de presidente do TSE durante as eleições de 2022 e lançou iniciativas de combate à desinformação | TSE – Reprodução
O ministro Alexandre de Moraes ocupou o cargo de presidente do TSE durante as eleições de 2022 e lançou iniciativas de combate à desinformação | TSE – Reprodução

Enquanto uma possível solução não é encontrada, os especialistas buscam reforçar a importância da mudança de pensamento da população e a necessidade de veículos de comunicação responsáveis. “Se as pessoas não entenderem e se as instituições - escola, igreja, família, time de futebol - não estiverem a fim de repensar essa lógica, a gente não vai ter uma boa perspectiva de futuro dentro dessa temática. Vamos desanimar? Não. Por isso que eu digo que a função do jornalista nunca foi tão importante quanto é agora”, conclui a professora Rita.

Confira Também: NaPolíticaCast - Fake News nas Eleições do Brasil, Estados Unidos e Índia - Por Gustavo Azevedo, João Pedro Barros, Luiz Fernando Ottolini e Nathalia Oliveira


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