
Silêncio
- Miguel Calado
- há 3 dias
- 2 min de leitura

A gente se encontrou como sempre: sem pressa, sem alarde.
Sentamos na frente do museu, onde o tempo parece se distrair e deixa a gente conversar em paz.
Falamos sobre tudo, ou quase tudo. Sobre coisas pequenas que, só ali, pareciam grandes. E, por um instante, tudo parecia certo.
Depois, o cinema.
Luz apagada, olhos atentos.
Mas, pela primeira vez, eu não consegui prestar atenção no filme.
Minha cabeça pulsava.
Algo ali dentro se debatia em silêncio, como quem tenta gritar debaixo d’água.
Não era sobre ele.
Era sobre mim.
Na volta, enquanto a cidade passava pelas janelas, senti que tinha algo estranho comigo.
Uma fresta se abrindo onde antes havia chão.
Dúvida, medo, uma vontade de parar o tempo, não pra congelar o que vivemos, mas pra entender o que, exatamente, eu estava sentindo.
Porque amar, às vezes, não basta.
É preciso estar pronto pra amar.
E eu não sei se estou.
Pensei nos apelidos carinhosos que já saem sem esforço.
Nos planos ditos com leveza, mas que carregam o peso do futuro.
E tive medo.
Medo de continuar escrevendo essa história com as mãos trêmulas, de machucar alguém por não saber onde piso.
Não falei nada.
Guardei tudo ali, entre o olhar perdido e o suspiro contido.
Talvez tenha percebido. Talvez não.
Só sei que alguma coisa mudou.
Não na gente.
Em mim.
Agora, só me resta ir mais devagar.
Observar com mais cuidado.
Tentar entender o que essa confusão quer me dizer.
Talvez seja só um tropeço.
Ou talvez — e é nisso que eu tento acreditar — seja só o medo que a gente sente quando algo bonito demais nos escapa do controle.
Por enquanto, sigo.
Mais quieto. Mais atento.
Esperando que dentro do ruído, alguma resposta me encontre.
Porque, entre o filme e o fim,
há um espaço de silêncio onde mora o que não se sabe nomear
Comentários